Acordo de delação não pode prever execução imediata da pena, decide STF
30/10/2024Por Edward Rocha de Carvalho
O cumprimento da pena privativa de liberdade se subordina ao trânsito em julgado, imposição que deve ser observada não só nas sentenças condenatórias, mas também nos acordos de colaboração premiada.
Esse entendimento é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. O colegiado manteve a decisão do ministro Gilmar Mendes que barrou trecho de um acordo de delação que previa a prisão imediata de um ex-executivo da CCR Rodonorte em caso sem sentença condenatória prévia.
O acordo foi firmado com o Ministério Público Federal e homologado pelo Superior Tribunal de Justiça. Nele, ficou estabelecido o cumprimento da pena de 15 anos “imediatamente após a homologação do acordo”.
Em maio do ano passado, a Corte Especial do STJ decidiu, por 7 votos a 6, pela possibilidade da execução imediata prevista no acordo. No entanto, a 2ª Turma do Supremo anulou essa decisão.
Voto do relator
Segundo Gilmar, a proposta de colaboração subordina-se à sentença penal condenatória. Assim, se não há condenação transitada em julgado, não pode haver pena imediata prevista em acordo de colaboração.
“A eficácia da proposta de colaboração premiada homologada pela autoridade judiciária subordina-se à sentença penal condenatória, incluindo os respectivos efeitos, porque não há previsão legal para que os efeitos que pressupõem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória — como é o caso da pena privativa de liberdade — possam ser objeto de disposição antecipada quando da homologação da ‘proposta’ da Colaboração Premiada”, disse o decano do STF.
Gilmar lembrou que em 2019, nos julgamentos das ADCs 43, 44 e 54, o Supremo decidiu que a pena privativa de liberdade só pode ter início após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o cumprimento da pena privativa de liberdade subordina-se ao trânsito em julgado de sentença condenatória. Essa diretriz deve ser também observada nos casos de colaboração premiada”, prosseguiu o ministro.
Ainda de acordo com Gilmar, a persecução penal “não se exaure na celebração do acordo”. Com isso, a antecipação dos efeitos da sentença mediante ato negocial não tem previsão na legislação, nem na Constituição.
“O acordo de colaboração não constitui, por si só, título executivo hábil para a imposição de pena privativa de liberdade, cujo cumprimento somente é legítimo depois do juízo definitivo de culpabilidade, formalizado em título judicial condenatório transitado em julgado.”
Atuou no caso o advogado Edward Rocha de Carvalho. Ele afirmou que a decisão é importante por fixar limites para os acordos de delação.
“A decisão é importantíssima na medida em que fixa limites legais e constitucionais sobre o que pode ser negociado num acordo de colaboração. É mais um passo na consolidação desse instrumento importante, que é a colaboração premiada.”
A análise do caso foi feita virtualmente entre os dias 18 e 25 deste mês. Gilmar foi acompanhado por todos os demais integrantes da 2ª Turma.
STJ
Em novembro de 2023, o STJ havia validado a execução imediata. Na ocasião, prevaleceu a posição do relator, ministro Raul Araújo, para quem o cumprimento da pena de forma imediata era possível por se tratar de mera condição do acordo com o qual o colaborador concordou.
Formaram a maioria com ele os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Isabel Gallotti, João Otávio de Noronha, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sérgio Kukina.
A divergência foi inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, que defendeu a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para o cumprimento da pena. Votaram com ele os ministros Nancy Andrighi, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira.
Para Raul Araújo, esse tema não pode ser abordado sob os aspectos do Direito Penal clássico, pois envolve um novo modelo de Justiça penal negocial, no qual se insere o acordo de colaboração premiada.
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HC 240.971
Publicada no ConJur.